ArtRio 14a. edição | 25 a 29 de SETEMBRO de 2024 | MARINA DA GLÓRIA ArtRio 14a. edição | 25 a 29 de SETEMBRO de 2024 | MARINA DA GLÓRIA

Iagor Peres, selecionado no Prêmio FOCO, compartilha sua experiência na residência Irê

16/01/2023 - Por ArtRio

Em 2022, após um intervalo de três anos, o Prêmio FOCO ArtRio, iniciado em 2013, voltou maior do que nunca. Contando com a apresentação do Instituto Cultural Vale, o projeto selecionou 6 artistas com até 15 anos de carreira para desenvolverem seus projetos em uma residência artística. Iagor Peres (1995, RJ) foi o primeiro ganhador do ano passado a finalizar sua residência. Ele participou de um período no Irê em Salvador e contou para a ArtRio como foi a experiência e os projetos que está desenvolvendo.

 

ArtRio: Como foi a experiência no Irê? Como foi a dinâmica e rotina de trocas na residência?

Iagor Peres: A experiência no Irê foi intensa de uma maneira positiva. No primeiro momento Rebecca Carapiá, gestora do Irê – Arte, praia e pesquisa, me apresentou um pouco do espaço e do bairro ao entorno. Durante as primeiras semanas visitamos alguns lugares na cidade enquanto trocamos sobre nossas práticas e desejos. Nessa confluência entre a dinâmica da cidade, Irê e os processos artísticos, o ferro tomou um espaço significativo na minha observação da cidade junto a toda sua agência em meio ao sal da maresia. Na segunda semana Rebecca, soldadora exímia, me apresentou as máquinas e como manuseá-las. Nossa conversa não girou sobre simplesmente como aprender a soldar, mas o que seria e como funcionava a solda. Numa tentativa de aprofundar um pouco mais a relação com ferro, máquinas, ateliê e prática de uma maneira em que tudo isso conformasse um sentido maior que apenas o uso utilitário das máquinas. Na minha rotina, todos os dias eu dediquei algumas horas de trabalho ao ateliê mirando num processo em que a atenção e o fazer seriam mais importantes que uma forma final. Criei uma divisão de horários em que era possível conhecer outros lugares e pessoas em Salvador e deixar que esses encontros alimentassem o pensamento e prática que vinha desenvolvendo. Ao final da residência, nas últimas semanas, fizemos um Open Studio para partilhar um pouco do que vinha acontecido na residência. Nesta ocasião contamos também com a presença de uma artista camaronesa chamada Sõn Gweha que vive em Paris e pudemos experimentar processos escultóricos no invisível através de uma captação de som que ela fazia ao vivo e que ampliava o próprio espaço de trabalho nos atinando para essa dimensão das coisas que não vemos mas que também se agenciam nas nossas relações cotidianas e como isso também poderia ser escultura.

E a relação com a cidade de Salvador e o espaço no entorno?

Iagor: Foi a primeira vez que fui a Salvador e fiquei residindo na cidade baixa. Nessa oportunidade conheci outra cidade, dinâmicas e pessoas. Um ritmo diferente e simultaneamente mais intenso e calmo que a cidade Alta, eu diria. Dali fui andando de Roma até o Uruguai e de Roma até a Ribera. De alguma forma talvez por ser um ateliê de solda a sensação era que o sol que esquentava e iluminava fora do ateliê também estava presente dentro do espaço. O calor e as águas foram fatores constantes nessas caminhadas e imersões. Pelas águas fomos conhecer o Acervo da Lage no subúrbio soteropolitano e pelas águas visitei também um outro espaço de residência e imersão para artistas na Ilha de Itaparica chamado Casa Ayo. Foi no entorno também e mergulhando no mar ali perto do Irê que pude visitar diversas vezes as pequenas formações de corais guardadas ali na orla de Roma e que posteriormente aparecem no pensamento do trabalho que desenvolvi.

O trabalho que apresentou no estande do Prêmio FOCO na ArtRio 2022 foi um desdobramento da pesquisa “Estudos para minha pele” iniciada em 2017 e utilizou a “pelematerial”, material que você criou. A proposta da residência foi uma continuação do projeto?

Iagor: Sim e ao mesmo tempo, não. Existe um desejo da minha parte que aos poucos vem tomando corpo que é levar o pensamento que desenvolvo na pesquisa “Estudos para minha pele” para outros trabalhos. Mais do que uma proximidade estética, tenho buscado sobre outros processos que suscitam através de suas conformações, ideias que também estão circunscritas na pesquisa iniciada em 2017 como: perenidade, dúvidas e estranhamentos acerca das corporalidades (matéria) que trabalho junto. De alguma forma gosto de pensar que as Coisas nos olham tanto quanto as vemos. Um processo no qual em meio a um diálogo silencioso o próprio trabalho se revela.

Registro de um dos encontros e debates na residência.

Você comentou que aproveitou o momento para desenvolver uma técnica própria com solda e ferro. Pode contar como foi isso e qual o resultado que encontrou?

Iagor: Uma das minhas primeiras perguntas no processo da residência foi como eu conseguiria lidar com o ferro numa forma mais sensível e talvez pouco apresentada. Como fazer algo que aparentemente apresenta certa fixidez e rigidez ganhar uma maleabilidade e um aspecto mais orgânico que acontecesse na confluência entre mim, a solda e ferro? O que o ferro me diria se o enxergasse não como um suporte, mas como o todo? Com essas questões em mente e depois de entender um pouco melhor sobre a solda e mergulhar em todo o maquinário disponível no Irê, eu associei a solda como um aglutinador que assim como a base que eu uso pra criar a pelematerial (cola). Ambos de certa forma são materialidades que comumente são posicionadas no entre das coisas e quase nunca quistas aparentes. Materialidades que habitam aglutinando e justapondo outros corpos sem serem vistas. Então, indo mais além, comecei a imaginar um processo escultórico que lidasse com a solda como matéria total. Contraditoriamente, a máquina que usava foi desenvolvida justamente para evitar os resíduos e proporcionar soldas mais “limpas”. Na via oposta, encarei a solda como quase uma caneta 3D e sem juntar pedaços maiores de ferro e fazê-la habitar novamente o entre, me debrucei em construir uma peça que, assim como pelematerial, tivesse o próprio aglutinador como componente primordial do todo. Então, com a própria solda iniciei um processo de experimentação que me levou à escultura que apresentei ao final da residência. Foram muitos dias de dedicação entendendo a fragilidade que eu havia despertado no ferro. Sua forma final diz sobre outros trabalhos e textos que já apresentei. Em um desses, cito especificamente o texto que escrevi para a revista Propágulo em 2019 que se chama “Quando o raio bate na areia” e que explicita um pouco sobre os momentos únicos e repentinos que, ainda que quase nunca presenciados, criam corpos e apresentam um alto poder de transformação das Coisas, como a própria reação entre a areia e o calor do raio. Como a formação dos corais que surgem dos acúmulos, a escultura surgiu me fazendo olhar mais uma vez para os processos de formatividade mais espontâneos e incontroláveis.

Qual sua perspectiva e projetos para o ano de 2023 e 2024?

Iagor: Nesse ano quero expandir o processo que comecei na residência e se tudo der certo devo também iniciar uma nova jornada de pesquisa no Programa de Estudos Independientes em Barcelona no MACBA. Como é um programa de longa duração (14 meses), devo me dedicar por um bom tempo às experiências que desconheço, mas que sei que me aguardam.

 


Sobre o artista Iagor Peres

A obra de Iagor Peres (1995, RJ) investiga as densidades e substâncias visíveis e invisíveis que compõem as relações no espaço. Os trabalhos aqui reunidos são desdobramentos da pesquisa “estudos para minha pele”, desenvolvida desde 2017 pelo artista com a elaboração da pelematerial – materialidade autoral composta por uma mistura de substancias sintéticas e orgânicas. Em sua pesquisa, Iagor dinamiza relações entre presença e desaparecimento, estar e não estar, ser e não ser visto. Tais dinâmicas acontecem em diferentes momentos da pesquisa e em obras do artista como o jogo online “When the matter is gone (2021)” e  aqui podem observada na presença de pelemateriais na série  “Estruturas para campos densos” (2019), passando por um outro estado da matéria na série “Escritos” (2022) e na retirada das mesmas em “A segunda forma da ausência” (2022). Cada uma das peças desse conjunto parte de momentos distintos – ainda que concomitantes – de uma mesma investigação, tangenciando ainda questões relativas às ideias de perenidade, agências extra humanas, racialização e os processos de categorização das coisas no mundo.

Iagor Peres abraça Brenda Valansi ao receber ao ser anunciado ganhador do Prêmio FOCO ArtRio 2022.

Iagor Peres na cerimônia do Prêmio FOCO 2022

Sobre a residência Irê

A Irê é um espaço independente localizado no Largo de Roma, região da península Itapagipana na Cidade Baixa em Salvador-BA, voltado para o desenvolvimento de práticas, pesquisas e processos de formação em arte contemporânea. O espaço que originalmente abriga o atelier da artista Rebeca Carapiá, desde o início de 2022 tem também recebido artistas, pesquisadores e articuladores culturais, desejando expandir sua capacidade coletiva de criação e produção. Com programação cíclica, Irê se articula entre residências artísticas, ações de formação, incentivo a pesquisa e ateliês compartilhados tendo como objetivo central ampliar as articulações entre a cena local e o trânsito da cultura contemporânea em Salvador. A menos de dez metros da praia, o espaço de aproximadamente 120m²

também recebe jovens assistentes para vivenciar e trocar com artistas e seus processos com o intuito de redistribuir os acessos, compartilhar perspectivas e criar possibilidades junto às necessidades dos artistas. Irê abre os caminhos para receber, cultivar e criar espaços de presença, prática e liberação cognitiva entre pessoas interessadas no coletivo. Irê deseja dividir, multiplicar e pensar arte a partir de novas centralidades para o conhecimento.

Mais informações sobre o Prêmio FOCO 2022 em artrio.com/premio-foco-2022


Na imagem do topo: Iagor Peres durante o período de residência.

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