ArtRio 14a. edição | 25 a 29 de SETEMBRO de 2024 | MARINA DA GLÓRIA ArtRio 14a. edição | 25 a 29 de SETEMBRO de 2024 | MARINA DA GLÓRIA

“Eu costumo dizer que a superfície conta a história do que ela viveu”, uma conversa com Ana Claudia Almeida

25/05/2021 - Por ArtRio

Na última semana fomos conhecer a primeira individual da Ana Cláudia Almeida, jovem artista do Coletivo Trovoa, na Quadra (Leblon, Rio de Janeiro). Aberta dia 22 de maio, a ArtRio foi na quinta-feira, dia 20, conferir uma prévia e conversar com a artista.

Já começamos com uma pequena gafe, chamando-a de uma das co-fundadoras do Coletivo Trovoa. O erro, cuja explicação por si só já conta muito para gente sobre o movimento, estava por colocar a origem do grupo apenas no Rio de Janeiro, e não nacionalmente, como o nome – Nacional Trovoa – lembra. Mobilizadas por essa introdução quebra-gelo e aproveitando a deixa, pedimos que nos contasse um pouco sobre a história, e, de forma breve, um pouco das camadas que compõe a origem do grupo, inclusive aquela anterior ao Levante Nacional, ao Coletivo, e de onde vem o nome.

O segundo andar da casa, o Chá de Verão e o nome do gato

“O Trovoa começou em 2017 comigo [Ana Cláudia Almeida], com a Carla Santana, com a Laís Amaral e com a Ana Clara Tito. Nós quatro morávamos em Niterói, eu, a Carla e a Laís na mesma casa. Nessa casa havia um espaço no segundo andar que passamos a usar como ateliê e chamamos de Ateliê Trovoa. Nesse período aprendemos muito juntas, nós íamos nas exposições juntas, fazíamos cursos juntas, e nos apoiávamos e dávamos muita força para continuidade do trabalho uma da outra.

E ai em 2018 a gente ia entregar essa casa e começamos a pensar sobre o que nos unia. Nós nunca fomos muito de fazer obras juntas – temos até algumas mas não são muitas – e tão pouco era nossa intenção ser um coletivo que faz e cria obras em conjunto, apesar disso poder acontecer. Então, no final de 2018 mais ou menos, quando a gente estava entregando a casa, fomos convidadas para fazer uma residência no Hélio Oiticica [o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica]. Fomos fazer essa residência lá no início de 2019 e durante esse período organizamos alguns encontros, os Chás de Verão Trovoa.

Nesses Chás a gente convidava artistas para conversarem com a gente e para trocarem ideias sobre arte, arte e vida… E ao final da residência havia uma proposta para uma exposição de nós quatro. Só que, após esses Chás, percebemos que não fazia mais sentido fazer uma exposição apenas com nós quatro. A residência havia se tornado sobre esses encontros. O que fizemos foi então convidar todo mundo que participou dos Chás para expor junto com a gente ao final.”

“Virou um coletivão”

Paralelamente à residência, as quarto artistas e amigas estavam com outras exposições marcadas pela cidade: “E começamos a pensá-las como um circuito no Rio de Janeiro.” A proposta da integração nacional veio em seguida, com um projeto de expansão desse circuito:

“Nós tínhamos também amigas de outros estados, pessoas com quem a gente estava em contato e pensamos em fazer um circuito nacional. Começamos a ligar para todas as nossas amigas e pessoas que a gente conhecia e ver quem é a gata que tá fazendo alguma coisa massa em Recife?, sabe. E encontramos artistas que estavam movimentando a cena na cidade delas e fizemos esse levante nacional que aconteceu em abril de 2019 em 6 ou 7 estados ao mesmo tempo durante todo o mês. Foram exposições, rodas de conversa, leituras de portfólio, e tudo isso em vários lugares do Brasil ao mesmo tempo.

E depois que aconteceu esse levante nacional que foram muitas coisas ao mesmo tempo, meio que não fazia sentido o coletivo voltar a ser apenas nós quatro, virou um coletivão. E desde então somos esse coletivo nacional como as pessoas conhecem hoje.”

E o nome ‘Trovoa’, é de trovão, trovoada, mesmo? “Na verdade não, na verdade o nome Trovoa vem de um lugar de afeto e de uma história mais pessoal. Esse era o nome do nosso gato que morreu. Hoje, claro, nos identificamos com esse nome por outros motivos. [Alguns risos.] A gente adora esse nome Trovoa. Ele tem vários significados que são especiais para gente – mas surgir mesmo ele surgiu a partir do gato. [mais risos] Que, bem, é especial para gente.”

Desenhos, a Quadra e a história que cada superfície conta

E como você conheceu a Marcela? (Marcela Setton, galerista da Quadra, onde ocorre sua primeira individual) “A Marcela um dia me chamou e foi visitar meu ateliê e na época eu estava fazendo uns desenhos. A Marcela tem muito gosto de trabalhar com pequenos formatos e com papel. Eu estava, na época da visita, com um projeto de uma exposição que ainda não tinha muito bem onde acontecer. Ela acabou me chamando para fazer um desdobramento da exposição aqui.” E que vemos agora.

“E a exposição foi se transformando. No início era só de desenhos em caneta Posca. Tipo aqueles de lá.” Nos viramos para ver para quais aponta, três desenhos sobre papel – reproduzidos a baixo – e um próximo de onde falávamos, cortado.

Desenhos coloridos em papel da Ana Cláudia Almeida

Ana Cláudia Almeida, Sem nome, 2021. Pastel oleoso e caneta marcador sobre papel algodão. 81,5 x 116 cm, cada.

“Mas acabou que o projeto foi mudando e foi virando isso aqui que vocês estão vendo agora.” Olhamos novamente em volta, vemos, além dos desenhos em papel, algumas pinturas de grande formato com uma técnica diferente, semelhante as que vemos na imagem do topo do texto, atrás da artista:

“Essa aqui é pastel oleoso na frente e ai eu venho por trás com resina acrílica e pigmento e – como eu vou explicar – eu pinto na frente com pastel e ai eu viro o tecido para o chão e tem um plástico no chão e por trás eu venho com essa tinta caseira (que é resina acrílica e pigmento) e a resina ela derrete o pastel. Ai quando eu puxo e separo a pintura, a tela, do plástico, cria essa textura. É uma coisa da qual eu não tenho muito controle de como vai sair exatamente ao final. O máximo que consigo controlar basicamente são as cores, mais ou menos as manchas. Mas eu não tenho um domínio total do que acontece.”

Mas de que forma essas pinturas são um desdobramentos da exposição original e dos desenhos? “Desenho é uma coisa muito recente na minha prática. Comecei a fazer desenho em 2019 e é uma coisa que está se esgotando um pouco já. Não fazia mais sentido para mim fazer uma exposição só de desenho. Começou há pouco tempo e, enfim, tem sua importância no meu trabalho mas não é o principal no momento.

E eu sempre trabalhei com textura, sempre gostei, sempre fui uma entusiasta. Eu costumo dizer que eu acho que a superfície conta uma história do que ela viveu. E nisso a textura é fundamental para pensar como que a superfície pode mostrar essa demarcação de tempo. Como ela pode ser um demarcador do tempo e da sua história.


Sobre a artista | Ana Cláudia Almeida (1993), vive e trabalha no Rio de Janeiro (RJ). É formada em Desenho Industrial com graduação sanduíche pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Virginia Commonwealth University, co-fundadora do coletivo Trovoa e já participou das residências Pivô Pesquisa, Valongo Festival Internacional e C.M.A. Hélio Oiticica. Foi indicada ao Prêmio Pipa em 2020 e finalista do Prêmio EDP das Artes em 2018. Já realizou exposições em instituições como Fundação de Arte de Niterói, MAM-RJ, Instituto Tomie Ohtake, Paço Imperial do Rio de Janeiro, Museu da República, Galpão Bela Maré e Solar do Abacaxis. Sua investigação tem como base as linguagens da pintura e do desenho, tensionando elementos como tempo, ação e paisagem imbricados na construção de espaços para a subjetividade. Entende as superfícies como contadoras de histórias das suas próprias vidas e de recortes de tempo específicos. A partir das ideias de natureza, artificialidade e normatividade cria distintos desdobramentos visuais que compõem seus sistemas plásticos.

Ainda em 2021 a artista tem um dos seus trabalhos em grande formato inserido na acervo do Museu de Arte do Rio (MAR – RJ), apresenta Buracos, Crateras e Abraços, exposição individual na galeria Quadra (RJ) com curadoria de Tarcisio Almeida, participa da coletiva Electric Dreams na Galeria Nara Roesler (RJ) com curadoria de Raphael Fonseca e assina um projeto site specific premiado pelo edital Piscina no espaço Auroras (SP) ao lado da artista Carla Santana.


Buracos, Crateras e Abraços (dedicada a todos os amigos que não gostam de falar sempre)
Individual de Ana Cláudia Almeida
Curadoria Tarcisio Almeida
22 de maio a 2 de julho de 2021
Quadra, Rua Dias Ferreira 175/301, Leblon, Rio de Janeiro


Entrevista por Júlia Paes Leme, maio de 2021

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