A Flexa inaugura sua terceira exposição, intitulada “Um olhar afetivo para a arte brasileira: Luiz Buarque de Hollanda”, com abertura marcada para o dia 14 de dezembro. Com curadoria de Felipe Scovino e expografia de Daniela Thomas, a mostra examina a figura de Luiz Buarque de Hollanda (1939-1999), advogado e colecionador que criou, com o sócio Paulo Bittencourt (1944-1996), a Galeria Luiz Buarque de Hollanda & Paulo Bittencourt, cuja atuação se deu entre 1973 de 1978, no Rio de Janeiro.
Ao longo de mais de 3 décadas, Luiz Buarque de Hollanda foi nome central do colecionismo no Brasil, além de pioneiro na colaboração com projetos de artistas que se tornariam seminais para a história da arte brasileira. Entre eles, destacam-se nomes como Carlos Vergara, Carlos Zilio, Cildo Meireles, Debret, Glauco Rodrigues, Iberê Camargo, Iole de Freitas, J. Carlos, Mira Schendel, Rubens Gerchman, Sergio Camargo, Thereza Simões e Waltercio Caldas. A programação reunia diferentes gerações, fazendo coabitar em seu espaço vanguarda e tradição.
Reunindo cerca de 150 obras de artistas presentes na coleção e nas exposições promovidas, a mostra se divide em 4 núcleos de interesse do colecionador-galerista. São eles: Paisagem: do encantamento à hostilidade, Aproximações improváveis: o retrato entre o social e o libidinoso, Corpo partido e Linguagens construtivas e desdobramentos disruptivos.
De acordo com Scovino, “a presente exposição investe, tanto curatorial quanto expograficamente, em como Luiz adquiria, organizava e mostrava a sua coleção. Ele se cercava daquilo que lhe dava prazer e conscientemente construía um modo muito singular de olhar para a arte brasileira. A galeria do qual foi sócio nos anos 1970 foi inovadora ao responder pela interdisciplinaridade de gerações, mas, acima de tudo, na constituição de um ambiente acolhedor e próximo aos artistas. Sua imagem e memória estão ligadas ao campo do afeto e da inteligência.”.
A amizade de Luiz com os artistas e sua paixão pela arte podem ser exemplificadas na generosidade em produzir edição de obras especiais, como um livro de Mira Schendel – que hoje integra a coleção do MoMA em Nova York – e o disco Sal sem carne, de Cildo Meireles, ambos nos anos 1970. Luiz teve participação direta na edição dos exemplares do Livro-obra de Lygia Clark, em 1984, e na pesquisa, junto com Noêmia Buarque de Hollanda, para exposição e catálogo da retrospectiva da mesma artista, que começou em 1997 na Fundación Tàpies (Barcelona) e circulou por 5 países.
A exposição na Flexa conta ainda com farta documentação: impressos, cartazes, convites, críticas e notícias sobre as exposições. O material nos recorda como a galeria foi um local de convívio e reflexão, que reuniu artistas, colaboradores e público interessado em debater o cenário das artes. Lá foram realizadas não apenas exposições e performances, como também sessões de apresentação de audiovisuais, debates, cursos, entre outros. Dessa forma, a exposição Um olhar afetivo para a arte brasileira: Luiz Buarque de Hollanda trata de lançar um olhar sobre uma figura que colaborou com a construção do meio de arte brasileiro, colecionando, exibindo e fomentando uma produção que, naquele momento, ainda não havia sido devidamente assimilada pelo incipiente mercado.
A diretora de cinema e teatro Daniela Thomas, que assina a expografia da mostra, escreve: “O espaço que antes me pareceu imenso, da galeria de três andares, revelou-se exíguo quando me deparei pela primeira vez com a lista de obras da coleção de Luiz Buarque, selecionada por Felipe Scovino. Logo me dei conta, por outro lado, que esta é a questão central para o colecionador: nunca há espaço suficiente para expor os itens da sua coleção, e mesmo assim ele tenta, quando decide que tudo é superfície: as paredes da escada que leva aos andares superiores da sua casa, por exemplo. Do chão ao teto, tudo está sempre em jogo. Não são poucas as descrições da densidade de ocupação na casa de Luiz. Arte por toda parte. Com essa imagem da ocupação densa do espaço, minha memória foi imediatamente dirigida para as paredes dos grandes salões do Louvre e para pinturas que representam outros salões de imensos pés-direitos, coalhados de pinturas, dos sécs XVII e XVIII. Resolvi colocar em jogo, como Luiz fazia com suas casas, toda a galeria, desafiando as regras da “boa montagem”, por assim dizer. Adicionalmente, inspirada nas associações do Felipe Scovino entre as várias obras da coleção, que distingue certas predileções, temas, obsessões de Luiz, pensei o espaço da galeria como que tomado por nuvens de obras, deixando alguns respiros que evidenciam os gestos mentais do galerista, como se os temas que articulam a exposição pudessem ser representados por ondas, as ondas das inspirações que guiaram o gosto do Luiz, durante os quase 40 anos de atividade adquirindo e promovendo arte e artistas no Rio de Janeiro”.
SOBRE LUIZ BUARQUE DE HOLLANDA
Luiz Buarque de Hollanda (1939-1999) era um advogado de destaque na sua área que, recém-formado, em 1961, havia sido contemplado com bolsa de mestrado em direito fiscal, em Harvard, nos Estados Unidos, onde permaneceu com sua família até 1964, retornando ao Brasil após o golpe militar. Atuava profissionalmente na área de direito quando em 1967 torna-se professor do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, dirigido por Alfredo Lamy Filho. Sua passagem pela docência não é longa e em breve se dedicaria tão somente à advocacia.
Sua ligação com a cultura estende-se também para o cinema quando por meio da criação da produtora Mapa Filmes, de Zelito Vianna (1938-) e Glauber Rocha (1939-1981), se torna produtor associado, juntamente com K. M. Eckstein e Cacá Diegues (1940-), para a realização de ‘Quando o Carnaval Chegar’, em 1972, filme dirigido por Diegues. Essa proximidade com artistas, escritores, intelectuais, cineastas (particularmente do Cinema Novo) é singularizada no icônico réveillon de 1968 realizado na casa de Luiz e Heloísa, localizada na rua Presidente Carlos Luz número 12, no bairro do Jardim Botânico. A festa foi marcada pelo clima de resistência à ditadura e de ruptura com os padrões moralistas de comportamento