A ArtRio conversou ontem por telefone com o desenhista e poeta André Dahmer, novo artista representado pela galeria Silvia Cintra + Box 4.
O trabalho na quarentena
Com o artista em isolamento com a família no interior do estado do Rio, começamos a conversa com a tradicional “como está sendo?”. Dahmer, que publica em dois jornais, segue enviando material diariamente. As principais mudanças, ou ao menos as que são mais rapidamente apontadas, são técnicas. Na casa não há um scanner para digitalizar as tiras e a conexão de internet é muito ruim. Essa última inclusive, testamos. A ideia original era convidar o artista para uma live, uma conversa ao vivo no Instagram da ArtRio (@artrio_art). Infelizmente, ou para alívio de Dahmer – não muito simpático a essa tecnologia específica – isso rapidamente se mostrou impossível.
Um pouco antes da declaração de pandemia e das orientações de isolamento social, a família do artista havia se reunido na casa onde estão. Com a surpresa da notícia, tomaram um decisão rápida de não voltar à capital e esperar as coisas se acalmarem. Todos estão bem e seguros mas a cidade está com todas suas lojas fechadas. E sem haver calculado ou ao menos previsto o incidente, uma outra dificuldade surgiu: o estoque de material para trabalhar. O artista ainda tem um bloco com 300 folhas e algumas canetas, mas é uma preocupação onde conseguir mais, o quão longe precisaria ir para isso e a economia e cuidado de material com o qual está tendo que trabalhar.
Outra mudança está sendo trabalhar estando o tempo todo com a família. Habituado a trabalhar pela manhã, às 8h ou assim que acorda, mudou um pouco sua rotina para aproveitar melhor o momento junto das crianças e agora está trabalhando pela noite, 22h, antes de dormir. Com relação ao tom, considera seu trabalho como o de um jornalista. Por escrever ou desenhar diariamente para jornais, reflete nele necessariamente as mudanças, agitações e questões atuais. Já as dificuldades materiais que mencionamos, Dahmer vem tentando não traduzi-las nas tiras por enquanto, mas é possível que chegue uma hora que não consiga evitar, o que também não consideraria um problema.
O desenho profissional e oportunidades
Depois de “como está sendo?”, pergunta típica do período, não pudemos evitar a outra pergunta típica de toda entrevista com artista, “como você começou?”.
“Eu comecei a desenhar como todo mundo. Todo mundo desenha com 2 ou 3 anos. A diferença entre eu e você, por exemplo, é que eu não parei. Quando a gente faz 7 ou 8 anos nossos pais querem que a gente aprenda português e matemática e pare de ficar desenhando o tempo todo. Algumas pessoas obedecem aos pais.” Brinca Dahmer, que além de artista plástico é poeta. Seu próximo livro de poesias seria lançado em maio pela Companhia das Letras – seria, pois essa provavelmente será outra mudança imposta pela quarentena ao artista. “Mudanças pequenas”, claro, ele lembra, se “comparadas aos problemas reais do mundo”.
Aproveitou também a oportunidade para criticar a ênfase em questões menores, a demora de ação do governo e lembrar que “quadrinhos não vão mudar o mundo”. Ainda que ele parasse de produzir, “ninguém vai morrer sem uma tirinha”. Mas por outra lado “sem muitas outras coisas, sim”, lembrando que existem bens e necessidades urgentes a serem garantidas, como alimentação e saúde e que a arte é importante para quando pensamos para além dessa sobrevivência básica.
Sobre suas oportunidades de carreira, a primeira em um jornal foi no Jornal do Brasil, a convite de Ziraldo, quando esse assumiu o Caderno B, o suplemente de cultura do jornal. Já sua primeira oportunidade no mercado de arte veio mais recentemente, no ano passado, quando mostrou seu ateliê a Juliana Cintra, da Silvia Cintra + Box 4 e atualmente sua galerista. Apesar de não lembrar exatamente como se conheceram, lembra bem da situação da visita ao ateliê e descreve um estranhamento e surpresa mútuos sobre aquela possibilidade.
“Quando a Juliana entrou eu fui mostrando os trabalhos e ela parou em um. Ela pegou, viu e começou a rir. Era um trabalho sobre o próprio mercado de arte. Ela perguntou se eu tinha mais [outros trabalhos] como aquele.” A obra com a qual Juliana riu brincava com precificação de obras e colecionismo e hoje já compõe uma coleção importante. “O tema do valor [no sentido de preço] nas artes visuais é muito importante, o trabalho ser vendido como arte em uma galeria é um reconhecimento maravilhoso”, conta Dahmer.
Ainda que tudo fosse ainda uma surpresa e novidade, se tratando de desenhos de humor no circuito artístico, lembra que quando esteve em duas ocasiões no passado em São Paulo teve a oportunidade de visitar a Ocupação Angeli, de 2012, e a Ocupação Laerte, de 2014, ambas no Itaú Cultural. Lá, em um centro cultural, vendos os trabalhos nas paredes tratados como arte, “percebi que era isso, que era esse o respeito que esses artistas mereciam.”
Essa semana a galeria organizou uma seleção de obras do artista para o site da ArtRio.com. A obras incluem desenhos em nanquim, aquarela, tecido e pinturas em acrílica sobre tela. E hoje (3/4), às 19h, Juliana Cintra, galerista do artista, irá conversar com Brenda Valansi, fundadora da ArtRio em uma live na página da ArtRio (@artrio_art).
Na imagem: “Um artista precisa sofrer”, 2020, de André Dahmer | Entrevista por Júlia Paes Leme