

O trabalho e a pesquisa de Ana Coutinho se encontram com a celebração dos 85 anos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) em uma parceria inédita. A artista, que desenvolve obras acerca de registros do tempo, integrará a temporada festiva da OSB com trabalhos desenvolvidos especialmente para as apresentações em diálogo com a Orquestra. Entre as datas, está a abertura da temporada de concertos no dia 12 de março, quarta-feira, no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio de Janeiro, às 19h, com um programa dedicado à presença feminina na música.
Como parte das surpresas desse momento significativo para a OSB, Ana Coutinho foi convidada para realizar uma residência de 1 ano com a instituição, desdobrando sua pesquisa a partir do encontro entre pintura e música. Esta é a primeira vez que uma artista visual é residente na Orquestra, uma grande novidade, visto que o convencional é
convidar músicos e maestros. Como explica a artista, “O conceito desse projeto está muito amarrado não apenas à ligação entre essas duas linguagens, mas também com toda uma grande investigação do corpo, do corpo enquanto performance, e do corpo em movimento”.
O trabalho, com curadoria artística de Keyna Eleison, é um estudo de gestos em que a artista explora formas de interagir com o espaço, com a feitura das obras e com os músicos. Também é uma grande costura de tempos, na qual Ana une a percepção do lugar, do som e da pintura, aberta para as materializações que vão surgir a partir dessa interação de linguagens e universos, que se faz no corpo em performance. Nessa pesquisa, a artista estuda os agudos e os graves, e como o corpo se expressa por meio da pintura, reagindo a esses diferentes estímulos sonoros. Assim, Ana examina os gestos envolvidos tanto na regência e no tocar dos instrumentos, quanto no ato de pintar, e as trocas que acontecem quando essas artes estão juntas, reverberando no mesmo espaço.
Como observa a curadora Keyna Eleison, “A batuta rege os instrumentos, mas aqui ela se funde ao pincel, conduzindo não apenas a criação da obra, mas a vibração que ecoa de sua existência. A pintura se torna música, se torna corpo, se torna presença.” O público fará parte de uma experiência sensorial. Por ser um projeto permeável, ele se constrói ao longo do percurso, “nesse ritmo que não se apressa, que se deixa atravessar pelo tempo e pelos outros, a obra se faz – não como algo pronto, acabado, mas como um campo de possibilidades sempre aberto à experiência e ao olhar.”, pontua Eleison.
Como resultado, cada interação do trabalho de Ana com o trabalho da Orquestra será única, criando costuras específicas originadas, inclusive, pelas características dos diferentes palcos. Na primeira apresentação, no dia 12, Coutinho participará por meio de suas pinturas. Nesse início de percurso, o trabalho toma a forma da instalação “Movimentos espirais”, pensada especialmente para o Teatro Carlos Gomes. O conjunto é composto por telas de diferentes tempos da produção de Ana, todas entrelaçadas pelo gestual e por estudos de formas corporais. Como um desdobramento desse recorte, ela adicionará pinturas feitas exclusivamente para a apresentação, criadas no ateliê enquanto a artista ouvia as obras que serão tocadas no concerto, traduzindo com gestos as reverberações da música em seu corpo.
Para além de uma instalação estática, os tecidos ganharão vida no palco por meio de luz e movimento. Sob a regência da maestra Jhoanna Sierralta, o programa é composto por “Viagem ao vento”, obra de Marisa Rezende; “Concerto para violoncelo no 1”, de Grazyna Bacewicz, com a violoncelista da OSB Emília Valova como solista, e “Sinfonia Gaélica”, de Amy Beach.
Nas outras duas datas marcadas deste semestre – nos dias 13 de abril e 10 de maio, nos espaços Sala Cecília Meireles e Cidade das Artes, no Rio – Ana estará no palco, desempenhando uma performance ao vivo. A plateia presenciará as traduções da música para a pintura, observando duas linguagens em diálogo, e será convidada a pensar nos diversos corpos – incluindo o seu próprio – envolvidos na experiência do concerto.
Sobre isso, Eleison destaca que, “assim como o tempo dança, o trabalho de Ana Coutinho se constrói no ritmo da coletividade. Cada pincelada não é um gesto isolado, mas um traço que se soma ao toque de outras mãos, outras intenções, outras energias. As pinturas emergem de um esforço físico compartilhado, um corpo coletivo que respira e age junto. O trabalho não nasce de um gesto único, mas da multiplicidade de gestos que se atravessam e se ampliam, criando um campo expandido de significados.”
O ponto de partida para essa parceria foi um interesse em comum sobre a questão do tempo, compartilhado pela artista e pela Orquestra. O marco de 85 anos da OSB é encarado pela instituição como “uma verdadeira ponte entre tempos”, em que se reverencia o legado enquanto se “projeta novos horizontes para a música sinfônica”, com passado e futuro em coabitação. Já Ana inaugurou, em maio de 2024, sua primeira individual site-specific: a “Vasos Condutores do Tempo”, com curadoria também de Keyna Eleison.
Na mostra, a artista explorou diferentes materialidades de registro do tempo, investigando a realização de seus trabalhos em novas superfícies e mídias. As janelas do espaço expositivo receberam pinturas feitas com tinta de vitral, de modo a projetarem as formas em outras áreas e corpos à medida que o tempo passava, com reflexos caminhantes. Nessa investigação, também foram produzidas diversas telas que mapeavam a passagem do
tempo a partir desse movimento dos reflexos em diferentes horários.
Nesse novo momento da produção de Ana Coutinho, em residência com a OSB, o público é convidado a fazer parte de uma experiência coletiva e única.