A Fundação Bienal de São Paulo anunciou o conceito curatorial de sua 36ª edição, que acontecerá a partir de setembro de 2025 no Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Intitulada “Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática”, a edição será conduzida pelo curador geral Prof. Dr. Bonaventure Soh Bejeng Ndikung com sua equipe de cocuradores composta por Alya Sebti, Anna Roberta Goetz e Thiago de Paula Souza, além da cocuradora at large Keyna Eleison e da consultora de comunicação e estratégia Henriette Gallus. A mostra se inspira no poema enigmático da poeta afro-brasileira Conceição Evaristo, “Da calma e do silêncio”.
A exposição vem acompanhada, ainda, de uma mudança histórica na organização do evento: a mostra se estenderá por quatro semanas adicionais, sendo apresentada gratuitamente ao público entre 6 de setembro de 2025 e 11 de janeiro de 2026, com o intuito de ampliar ainda mais o alcance da mostra, que poderá ser apreciada por uma quantidade maior de visitantes durante o período de férias escolares.
A proposta central dessa Bienal é repensar a humanidade como verbo, uma prática viva, em um mundo que exige reimaginar as relações, as assimetrias e a escuta como bases de convivência a partir de três fragmentos/eixos curatoriais. A metáfora do estuário – local onde diferentes correntes de água se encontram e criam um espaço de coexistência – guia o projeto curatorial, inspirado nas filosofias, paisagens e mitologias brasileiras. Tal conceito reflete a multiplicidade de encontros que marcaram a história do Brasil e propõe que a humanidade se una e se transforme por meio de uma escuta atenta e da negociação entre seres e mundos distintos.
De acordo com o curador geral Prof. Dr. Bonaventure Soh Bejeng Ndikung: “Em uma época em que os seres humanos parecem ter, mais uma vez, perdido contato com o que significa ser humano, em uma época em que a humanidade parece estar perdendo o chão sob seus pés, em uma época de agravamento de crises sociopolíticas, econômicas e ambientais em todo o mundo, parece-nos urgente convidar artistas, acadêmicos, ativistas e outros profissionais da cultura ancorados em uma ampla gama de disciplinas para se juntarem a nós na reformulação do que a humanidade poderia significar e na conjugação da humanidade. Apesar ou por causa de todas essas crises e urgências do passado-presente-futuro, devemos nos dar o privilégio de imaginar outro mundo por meio de outro conceito e prática de humanidade. Portanto, Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática é um convite para pensar e manifestar a humanidade como um verbo e uma prática, para pensar sobre a humanidade como encontro(s) e negociações sobre a convergência de mundos variados. É um convite para deliberar sobre o desmantelamento de assimetrias como um pré-requisito para a humanidade como prática, assim como essa Bienal nos oferece um convite para colocar a alegria, a beleza e suas poéticas no centro das forças gravitacionais que mantêm nossos mundos em seus eixos… pois a alegria e a beleza são políticas. Este é um convite para imaginar um mundo no qual damos ênfase às nossas humanidades em um momento em que a humanidade está literalmente falhando conosco”.
A proposta curatorial
Esta edição da Bienal de São Paulo está estruturada como um projeto de pesquisa que irá se manifestar em três fragmentos/eixos. O primeiro fragmento/eixo curatorial defende reivindicar o espaço e o tempo, busca desacelerar e prestar atenção aos detalhes e outros seres que constituem nosso ambiente. Situando-se dentro do poema “Da calma e do silêncio”, de Conceição Evaristo, esse eixo evoca a importância de explorar os mundos submersos que apenas o silêncio da poesia e a escuta poética podem acessar, acolhendo as diferenças e sugerindo uma reconexão com a natureza e suas sutilezas.
No segundo fragmento/eixo, a Bienal convida o público a se ver no reflexo do outro. A proposta é questionar o que vemos quando olhamos para nós mesmos e para os outros, confrontando as barreiras e fronteiras de nossas sociedades. Esse fragmento se baseia no poema “Une conscience en fleur pour autrui”, do poeta haitiano René Depestre, e explora a interconectividade das experiências, propondo uma coexistência mais atenta às necessidades coletivas.
Por fim, o terceiro fragmento/eixo se debruça sobre os espaços de encontros – como os estuários são espaços de múltiplas convergências, não apenas da água doce com a salgada, mas também o encontro do chamado Novo Mundo com as pessoas escravizadas sequestradas da África. Esse fragmento reflete sobre a colonialidade, suas estruturas de poder e suas ramificações em nossas sociedades atuais. Essa reflexão é baseada no movimento manguebit e em seu manifesto “Caranguejos com cérebro”, entendido como uma representação do cérebro social coletivo. A história do Brasil, marcada pela fusão de povos indígenas, europeus e africanos escravizados, é um microcosmo das assimetrias de poder que ainda persistem. Nesse sentido, a exposição explora como as culturas e as sociedades lidam com essas diferenças e criam novos caminhos de coexistência e beleza, como manifestado em “A beleza intratável do mundo”, de Patrick Chamoiseau e Edouard Glissant.
Convergências globais
Como parte essencial de sua proposta curatorial, a 36ª Bienal de São Paulo contará com as Invocações: encontros com poesia, música, performance e debates que ecoam as ideias centrais da exposição, investigando e compreendendo noções de humanidade em diferentes geografias. A série de encontros é fruto de relacionamento com instituições culturais e precede a realização da mostra paulistana.
O ciclo incluirá conversas, palestras, oficinas e performances em quatro localidades. Os dois primeiros eventos, apresentados ainda em 2024, acontecerão em Marrakech, Marrocos, e Les Abymes, Grande-Terre, Guadalupe. O primeiro encontro se dará no Le18 e na Fondation Dar Bellarj, liderados por Laila Hida e Maha El Madi, enquanto o segundo será realizado em Lafabri’K, liderado por Léna Blou. Em 2025, acontecerão as últimas duas Invocações, em Zanzibar, Tanzânia, e no Japão, em instituições que serão oportunamente anunciadas.
A primeira Invocação, intitulada “Souffles: On Deep Listening and Active Reception” [Souffles: Sobre escuta profunda e recepção ativa], a ser realizada em 14 e 15 de novembro em Marrakech, será uma deliberação sobre três tópicos: a precariedade da respiração, as culturas Gnawa e Sufi, e a escuta como uma prática de coexistência.
A segunda Invocação, intitulada “Bigidi mè pa tonbé!” [Balança mas não cai!], acontecerá entre 5 e 7 de dezembro em Les Abymes, Guadalupe, e refletirá sobre a inteligência do movimento dos corpos entre a ruptura e a adaptação para manter o equilíbrio em movimento em tempos de crise.
A terceira Invocação, que será realizada em fevereiro de 2025, em Zanzibar, recebeu o título “Mawali-Taqsim: Improvisation as a Space and Technology of Humanity” [Mawali-Taqsim: A improvisação como espaço e tecnologia da humanidade]. O encontro se baseia na percepção do taarab não apenas como um ritmo, mas como uma construção de encontros e múltiplas trocas que o território da Tanzânia e o Oceano Índico têm promovido.
A quarta e última Invocação, programada para março de 2025, no Japão, é intitulada “The Uncanny Valley or I’ll Be your Mirror” [O vale da estranheza ou eu serei seu espelho], traz reflexões e encontros sobre as dinâmicas do afeto entre humanos e não humanos, pessoas e máquinas, em um exercício de construção de coexistências, interações, distâncias e proximidades.
Esses encontros funcionarão como afluentes, convergindo para o corpo principal da 36ª Bienal em São Paulo, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo.
Outro importante afluente da 36ª Bienal de São Paulo será a Casa do Povo, em São Paulo, um centro cultural que revisita e reinventa as noções de cultura, comunidade e memória. Ela abrigará um programa de performances desenvolvido por Benjamin Seroussi (diretor artístico da Casa do Povo) e Daniel Blanga Gubbay (diretor artístico do Kunstenfestivaldesarts). Novos afluentes serão anunciados em breve.