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Instituto Casa Roberto Marinho | Alegria aqui é mato – 10 olhares sobre a Coleção Roberto Marinho

01/12/2022 - Por ArtRio

Ao longo de seis décadas, a Casa Roberto Marinho, enquanto residência do jornalista carioca, foi palco de manifestações de diversos setores da criação:  peças de teatro, apresentações musicais, saraus literários e projeções de filmes. Seguindo esta tradição festiva, o instituto cultural localizado no Cosme Velho, Zona Sul do Rio, apresenta a exposição Alegria aqui é mato – 10 olhares sobre a Coleção Roberto Marinho, a ser inaugurada no dia 11 de dezembro, com curadoria geral de Lauro Cavalcanti.

Reunindo cerca de 200 obras, a mostra é composta pelo olhar atento de dez personalidades de vertentes variadas, que se dedicaram por meses ao estudo da Coleção Roberto Marinho. A atriz Fernanda Montenegro, os músicos Adriana Calcanhotto e Paulinho da Viola, o cineasta Antonio Carlos da Fontoura, o fotógrafo Walter Carvalho, o arquiteto Glauco Campello, o designer Victor Burton e os artistas plásticos Gabriela Machado, José Damasceno e Marcos Chaves foram convidados a organizar suas salas com peças selecionadas a partir do acervo – que reúne cerca de 1.400 ítens – dialogando, por vezes, com trabalhos de sua autoria e/ou de outras coleções particulares.

De acordo com Lauro Cavalcanti, diretor da Casa, o título da mostra surgiu no processo de sua feitura. “Na seleção inicial da sala a cargo de Victor Burton, constava uma fotografia do norte-americano Hart Preston: um flagrante do carnaval carioca de 1942 em que um folião exibe um cartaz com a frase ‘Tristeza aqui é mato’. Ambíguo, ainda que festivo, sobressaía-se nele a palavra ‘tristeza’ . Tão Brasil. Tão ainda…”, reflete o diretor. “No lugar de tristeza, escrevemos alegria. Alegria de viver e de criar. ‘Mato’, na gíria antiga, significava abundância. Pois nesta exposição, pautada pela pluralidade e fortaleza da cultura brasileira, arte é mato”, afirma.

Dez salas, dez curadores

Sala Adriana Calcanhotto | Perigosas motoristas

Adriana Calcanhotto escolheu jogar luz sobre obras de mulheres. Na abertura, a tela “Adrianas” (2022), de Leonora Weissmann: um retrato da própria cantora com um quadrado vermelho pintado na área da boca. No título, uma provocação que simboliza as dificuldades de artistas brasileiras em ver suas escolhas respeitadas. A cantora e compositora se apropria de uma expressão usada pelo crítico Mário Pedrosa (1900 – 1981), em 1957, ao se referir à escultora Maria Martins, numa análise áspera de sua obra: “Maria avança de olhos fechados e sem olhar os sinais. Perigosa motorista”.

Não à toa, Martins é a artista com mais obras selecionadas por Calcanhotto: duas gravuras de 1946 (“Comme une liane” e “Place à L’Implacable”) e uma escultura (Insônia infinita da terra”, 1954). Anita Malfatti, outra que foi alvo de crítica negativa de um grande nome de sua época, Monteiro Lobato, também está representada com uma obra.

Adriana optou por selecionar artistas de diferentes estilos e gerações, como Beatriz Milhazes (Flor de margarida em vermelho, pink e lilás”, 2019), Ione Saldanha (“Ripas”, 1991) e Tomie Ohtake (Sem título, 1989). Em comum, “todas com muita relevância em seus contextos”.

Fiz a disposição em ordem cronológica do arco que vai de 1876 a 1967, para que se veja a influência de uma artista ou geração na próxima. Joguei luz também sobre interações internas entre obras e artistas da Coleção RM e adorei passar alguns meses mergulhada no universo delas, escolhendo os trabalhos que as representariam.”

Sala Antonio Carlos da Fontoura | Ver ouvir

Diretor de obras significativas para o cinema e a televisão, Antonio Carlos da Fontoura tem forte relação com a Casa Roberto Marinho. É autor do documentário “A casa”, que registra a antiga residência da Família Marinho, no Cosme Velho, antes de sua transição para centro cultural, quando ganhou face pública. Além disso, ao longo de sua trajetória, fez documentários independentes sobre alguns dos artistas presentes no acervo. Quatro deles serão exibidos na íntegra no auditório da Casa. Ele explica:

“Criei meus primeiros filmes nos anos 60, vendo e ouvindo os artistas. Para minha sala, que chamei de Ver Ouvir, selecionei trechos destes filmes e fotos de cena das filmagens, em contraponto com trabalhos dos artistas que elegi no acervo de obras da Casa Roberto Marinho.”

A sala conta com trabalhos de Heitor dos Prazeres (“Roda de samba”, 1960), Antonio Dias (Sem título, 1987), Rubens Gerchman (“Comunicação”, 1975), Carlos Scliar (“Flores azuis e roxas”, 1982) e Wanda Pimentel (Sem título, 1970), entre outros.

Sala Fernanda Montenegro | O ator e seu ofício

A atriz de 93 anos foi a única a optar por uma só peça do acervo, uma grande tela do baiano Genaro de Carvalho (1926-1971) – “O equilibrista”, 1949 –, que tem o circo como tema. Para complementar, Fernanda gravou um vídeo inédito sobre o ofício do artista, em que destaca a fugacidade do ato teatral em contraposição à eternidade do artista, que é “resiliente e indestrutível”.  A grande dama do teatro brasileiro chama atenção para a importância da instituição e seu acervo, salientando sua vocação multicultural que, não à toa, é destacada nesta mostra: “A Casa Roberto Marinho é para esta cidade e este País um espaço referencial da nossa multiplicidade artística: artes plásticas, arte literária, arte musical, arte teatral. A exposição ‘Alegria aqui é mato’ é um acontecimento em estado de Aleluia diante da nossa eterna resistência cultural e que se ajusta e se consagra junto à imagem da natureza mesma – florestas, matas, mato – sem a qual não sobreviveremos. Esta importantíssima exposição se torna pública sob este já histórico teto, sob o conceito de que o caráter de uma nação está na sua Arte. O caráter de uma nação é a sua Arte”, exalta Fernanda.

Sala Gabriela Machado

Gabriela opta por uma seleção majoritária de pinturas da Coleção Roberto Marinho, em paralelo a trabalhos seus, estabelecendo um diálogo pictórico: “Não faltam na Coleção Roberto Marinho artistas que passaram uma vida a serviço de sua poética. Guignard, Segall e Pancetti pintaram paisagens e naturezas mortas que estavam ali aos seus lados, olhando para eles. E é disto que também me alimento em minhas pinturas, que hoje já se tornaram uma pequena grande coleção do tempo. Partindo destas escolhas, procurei criar uma narrativa para que a sala falasse da pintura entre pinturas, pontuando da beleza dos mares de Pancetti até a leveza de cores de Guignard, e abrindo para um olhar junto às minhas paisagens”, explica ela.

Para compor sua sala, a artista plástica convidou a poeta portuguesa Matilde Campilho a escrever “um pequeno trecho desse momento”:

“A pintura — veja — parece mesmo mover-se entre um paraíso e outro. Essa agitação tênue, ao mesmo tempo próxima e distante, deixa um rastro no chão. Aí é que encontramos as coisas do mundo. Estão marcadas no asfalto. São bichos, são reservatórios de água, são flores, vasos; são balcão de bar e arquibancada, corpo, dança, multidão. Está tudo vivo e morto: são as gotas que restam do respirar do desenho”

Sala Glauco Campello | Ariano Suassuna

Arquiteto responsável pelo projeto de adaptação da Casa Roberto Marinho em instituto cultural, Glauco Campello optou por focar no universo de Ariano Suassuna (tema da sala) e sua importância para a arte produzida no Brasil. As dez iluminogravuras escolhidas representam a arte armorial, a partir de sua avaliação do desenvolvimento da cultura sertaneja de formação moura e portuguesa.

“Coube-me cuidar das xilogravuras de Ariano Suassuna, paraibano como eu, de adoção pernambucana como eu, e, como eu, frequentador do Gráfico Amador [editora artesanal recifense dos anos 1950], onde, ainda jovem, eu ouvia encantado a sua verve, da qual nasceram suas maravilhosas comédias teatrais”, explica Campello. “Em meu trabalho de ‘curador’, busquei mostrar como a visão de Suassuna se expande naturalmente pela arte produzida no Brasil”.

Também compõem a sala xilogravuras de Gilvan Samico, como “O devorador de estrelas” (1999), e peças da coleção do próprio Campello, como ex-votos (sem autoria definida) e uma cerâmica do artista paraibano Miguel dos Santos.

Sala José Damasceno | Infraconjuntura – Luz e sombra

O artista carioca aposta nas investigações sobre a natureza do espaço, a partir das relações entre as peças selecionadas, que trazem consigo “interrogações desafiadoras”.

“Agora na Casa Roberto Marinho se trata da consideração de uma hipótese: aquela da formulação do espaço onde um conjunto de relações se apresenta com a reunião das obras escolhidas. A associação de suas poéticas traz um enunciado, um desafio, um mistério. A simultaneidade dessas perspectivas cria uma atmosfera que, suponho, traz consigo inquietações estimulantes”, reflete Damasceno.

Dentre suas escolhas estão obras de formatos variados, como pinturas de Antonio Bandeira (“Como cascata escorrendo”, 1964), Djanira da Motta e Silva (“Mercado da Bahia”, 1959) e Milton Dacosta (“Roda”, 1942). Além de uma série de desenhos de Ismael Nery e esculturas de Victor Brecheret (“A bella Pellegrini, 1910) e de sua própria autoria (“A bela e a fera”, 2022).  Damasceno chama atenção para a importância da realização desse projeto “num momento em que precisamos tanto fortalecer e celebrar o debate e o espaço público”.

Sala Marcos Chaves | Sempre vai passar

O tema desta sala dialoga diretamente com um trabalho que o artista carioca fez em 2019: a bandeira que, de um lado, traz os dizeres “Vai passar” e, do outro, um ponto de interrogação. Ela ficou estendida entre 2019 e 2020 no alto da cúpula do Museu de Arte do Rio de Janeiro. “Será a primeira vez que ela é exibida mostrando apenas um dos lados, descansando a interrogação contra a parede”, explica Chaves. “É hora da dúvida e do medo ficarem para trás e darem lugar à reconstrução do país, a novas proposições e formas de estar junto”.

Marcos conta que escolheu trabalhos da Coleção Roberto Marinho que o “atravessam enquanto artista”, como desenhos de Ismael Nery (“Figura combinada”, 1928) e Jean Cocteau (“Hommage a Paul Klee”, sem data). Além de uma obra de sua própria autoria (“Série Macunaíma 88”, 1988) que se aproxima, pela economia do traço, de um desenho de Mira Schendel (Sem título, 1975).

“O recorte é diverso em termos de artistas e suportes, como a coleção em si, porém singular em seu conjunto”, observa ele.

Sala Paulinho da Viola

Expoente do samba brasileiro, Paulinho da Viola conta que seu interesse pelas artes plásticas foi gradativo e surgiu na década de 1960, “nos tempos do Rosa de Ouro”, a partir do contato com o compositor Hermínio Bello de Carvalho: “Ele era muito amigo de artistas como o Luiz Canabrava e o Walter Wendhausen. Nesse período, em que me aproximei do poeta Ferreira Gullar, passei a frequentar exposições e a ler catálogos de arte. Mais tarde conheci o Claudio Tozzi, o Tikashi e o Takashi Fukushima, o Newton Mesquita, o Carlos Scliar e o Amílcar de Castro. E cheguei a assistir algumas aulas da Fayga Ostrower”.

Desde então, o músico se tornou não só apreciador, mas um colecionador de arte. Para a sala que organizou, dentre as obras da Coleção Roberto Marinho, selecionou pinturas de Jose Pancetti, Emiliano Di Cavalcanti (“Casal de caboclos”, 1960), Antonio Bandeira (“A grande cidade”, 1961), Iberê Camargo (“Signo vermelho nº 14”, 1978), Heitor dos Prazeres e Salvador Dalí (“Ora pro nobis”), entre outros.

“Foi muito difícil fazer essa curadoria, porque o acervo da Casa só tem obras boas. Em meio a tantas opções, cheguei a elaborar duas listas, caso acontecesse de outro curador convidado ter feito as mesmas escolhas que eu”, diz o músico. “Minha seleção foi pautada pela vibração das cores e pelo olhar que desenvolvi a partir da convivência de muitos anos com tantos artistas amigos”.

Sala Victor Burton | Tempo livre

Na sala que abre a exposição, o designer faz um provocativo recorte temático. Exalta a importância do tempo livre, trazendo elementos da filosofia para o texto de apresentação. Destaca, por exemplo, as palavras de Aristóteles: “Trabalhamos para ter o tempo livre, do qual depende a felicidade”.

Entre as obras escolhidas estão “Noite de São João” (1961), de Alberto da Veiga Guignard, “Espantalho” (1940), de Candido Portinari, e “Os músicos” (1943), de Roberto Burle Marx, além de uma foto de um jogo de futebol na praia de Copacabana (1942), de Thomaz Farkas.

Burton explica que a ideia é evocar, a partir das obras selecionadas, o tempo livre como espaço de criação. “Para tanto exploramos temas, ‘momentos’ em que isto pode acontecer: o carnaval, os bares, o cinema, o esporte, os jogos”, exemplifica ele, que já assinou o design de outras exposições da Casa. “A Coleção Roberto Marinho nos proporciona a exaltação destes momentos pela arte”

Sala Walter Carvalho

Fotógrafo, diretor de cinema e televisão com participação em dezenas de produções relevantes do audiovisual brasileiro, Walter Carvalho optou por apresentar uma proposta imersiva. A partir da montagem de uma instalação com paredes escuras, ele projeta um filme de sua autoria em diálogo com obras do acervo da Coleção Roberto Marinho.

Por fim, Lauro Cavalcanti faz uma síntese da exposição e convida o público a visitá- la:

“No térreo, o visitante poderá flanar pelos modos de passar o tempo e apreciar a estética sofisticadamente áspera do sertão nordestino, assim como ver e ouvir registros de pintores contemporâneos. No primeiro andar, será recebido pela profética alegoria de ‘Vai Passar’. E poderá contemplar as seleções visuais de um músico de ofício, fruir as texturas e escalas da pintura, viver a associação de conceitos entre as obras e penetrar no universo feminino de ‘Perigosas Motoristas’. Após a experiência do olhar do fotógrafo, o espectador viverá o momento do texto e a eternidade do artista.”

Alegria aqui é mato – 10 olhares sobre a Coleção Roberto Marinho

Abertura pública: domingo, 11 de dezembro 2022, às 12h
Encerramento: 19 de março de 2023
Instituto Casa Roberto Marinho
Rua Cosme Velho, 1105 – Rio de Janeiro
Tel: (21) 3298-9449
Terça a domingo, das 12h às 18h (entrada até às 17h15)
(Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a
cafeteria a partir das 9h.)
Ingressos: R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)
Às quartas-feiras, a entrada é franca
Aos domingos, “ingresso família” a R$ 10 para grupos de quatro pessoas
A CRM respeita todas as gratuidades previstas por lei

Estacionamento gratuito para visitantes, em frente ao local, com capacidade para 30
carros.
A Casa Roberto Marinho é acessível a pessoas com deficiência.

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