MOVIMENTO

Pedra Afiada | Edu Monteiro | Curadoria: Maurício Barros de Castro

PEDRA AFIADA

           

Nos últimos tempos, as discussões em torno do Antropoceno têm interessado fortemente Edu Monteiro. Talvez porque o artista tenha percebido que o conceito, enredado principalmente pelo antropólogo Bruno Latour, entrelaça as rotas que tem percorrido ao longo dos anos e que poderiam, a princípio, sugerir direções opostas. É o caso dos caminhos que traçou pelos Aparados da Serra, no Sul do Brasil, e pela Martinica, no Caribe.

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A primeira rota resultou na premiada série Paisagem Vertical, contemplada com o XVI Prêmio Marc Ferrez 2021. O segundo traçado envolveu a tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes da UERJ e a criação da série Ilha-Terreiro. Dois itinerários, duas séries que se entrecruzam e alcançam sentido juntas permeadas pela contundente perspectiva do Antropoceno.

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Bruno Latour avisa que não há nenhuma outra fronteira a alcançar, nenhum outro território a ser conquistado, nenhuma fuga possível, ao contrário do que tem tentado insistentemente provar magnatas globais. Deixar o “espaço”, assumir a condição de terrano e encarar a terra como único lugar a ser recuperado do “estado de guerra – traço definidor do Antropoceno”, nas palavras de Latour, é a única saída.

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Pedra afiada, em tupi-guarani, é chamada de Itaimbezinho, nome de um dos cânions que Edu Monteiro mergulhou para criar a série Paisagem Vertical. Pedra afiada também corresponde à diáspora africana, gira de resistência ao Antropoceno, de culto às entidades da natureza e à preservação de seus saberes ancestrais, em contraposição aos apelos da modernização que marcam esses tempos de destruição.

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Pedra Afiada, a exposição de 24 trabalhos de Edu Monteiro, incluindo objetos escultóricos, risca um corte preciso nesta discussão. Não se trata de aproximar duas séries, mas de mostrar como elas estão imbricadas no Antropoceno em que vivemos, propondo intervenções diversas tanto nas paisagens verticais formadas pelos cânions no Sul do Brasil quanto nas águas do Atlântico Negro constituídas pela diáspora africana.

 

Nos trabalhos do artista a fotografia é fio condutor, linguagem que constitui as imagens de Paisagem Vertical e de Ilha-Terreiro. Molduras em ferro, firmemente trabalhadas como partes constituintes das obras, aparecem como entrelaçamentos das duas séries, presentes tanto nas fotografias de Paisagem Vertical impressas em pedra, desta vez sustentadas por estruturas em ferro, quanto na experimentação de impressão de imagens em couro que fazem parte de Ilha-Terreiro. Gambiarras, por sua vez, ampliam o repertório desta série, como as emblemáticas caixas que, interligadas por fios em uma parede e retroiluminadas, conectam imagens da diáspora africana, de corpos negros que recriam máscaras que perfomatizam a experiência afro-diaspórica.

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Pedra Afiada proporciona a conexão entre perspectivas diversas do Antropoceno, conferindo coerência a uma trajetória inquieta, em que a arte oferece os caminhos. No seu percurso artístico, Edu Monteiro observa o desmoronar de muitos deles e das esculturas que a geologia cria, como a composição de pedras que o artista registrou como escultura e que, distante de qualquer museu, não é mais acessível, sua trilha de acesso ruiu pela velocidade da transformação geológica que assombra os que vivem no Antropoceno. É este assombro que Edu Monteiro compartilha com os terranos, por meio das suas imagens, equilibradas precariamente numa poderosa combinação de luzes, sombras, corpo, couro, folhagens, máscaras, pedra e ferro.

 

Maurício Barros de Castro



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