Pedro Pagy
Fotografias encenadas, fotografias vividas “Não há altruísmo no desejo.” John Berger, Para Entender uma Fotografia Nas fotografias do carioca Pedro Pagy, observamos certos temas e protagonistas recorrentes de substância e natureza distintas, dentre eles a mulher, o glamour e a noite. Esses elementos, combinados, criam narrativas para nós, observadores, pertencentes ao universo público. Mas é importante dizer que eles foram organizados para que fossem previamente experimentados, vividos exclusivamente pelo fotógrafo e suas modelos – e seu mundo privado. As atmosferas elaboradas por Pagy o colocam em um diálogo dramatizado com as suas modelos. Trata-se de um jogo de aparências, um teatro. A roupa, a luz, o cenário, todos esses elementos, juntos, criam mundos a serem vividos pelo fotógrafo e as retratadas, numa espécie de realidade paralela, por vezes assustadora, tendo em vista o tenebrismo de traços românticos da noite carioca e o isolamento das mulheres na paisagem urbana. Esse feitiço ou fetiche, dependendo do olhar crítico, talvez seja a experiência principal a ser plasmada sob a superfície impressa das fotografias e, nesse sentido, as fotografias ganharão uma dimensão inevitavelmente formal. Portanto, direcionarei inicialmente minha atenção a certos aspectos da história da pintura, muitas vezes evocada por certos fotógrafos e fotógrafas. A iluminação de muitas das fotografias de Pagy evoca o chiaroscuro do barroco, algo entranhado com extrema profundidade na cultura visual ocidental. Quando Pagy recorta com luz os corpos e destaca os vestidos vermelho sangue, azuis saturados ou rosados de suas modelos contra o fundo negro, neles ecoam lições de Caravaggio e Rembrandt, que a fotografia e o cinema do século XX já trataram de traduzir tecnicamente há algum tempo. Essa iluminação monumentaliza as fotografias de Pagy, evocando a psicologia do artista e seu diálogo e/ou conflito dramático com a modelo, e reforça a angústia da errância do artista pela noite na busca de espaços e acontecimentos ideais a serem explorados. Os cenários noturnos de suas fotografias e seus respectivos objetos e agentes, aliás, são muitas vezes os verdadeiros protagonistas das cenas, como no caso das placas pretas e amarelas de sinalização que parecem definir a razão de algumas de suas fotos, tendo vista o seu apelo op. Em outro caso, a grande torre industrial que, de maneira barroca aspira à luz do infinito, aparece sendo escalada pela modelo de pernas geométricas. Outra foto merece destaque, na qual um ônibus emerge do vazio negro do fundo, e insiste em se sobrepor à modelo, tornando-se ele a figura central da foto, o agente da ação, força que pesa sobre nosso olhar e psique. É notável o apelo narrativo e simbólico do objeto industrial streamline, de luzes acesas e, sabe-se lá se amistosas, que nos remetem a cineastas como Brian de Palma, e sua furadeira aterrorizante e casa futurista do filme Dublê de Corpo (1984); e David Lynch e sua estrada perdida em seu filme homônimo de 1997. Sobre as mulheres representadas nas fotografias de Pagy, cabe destacar que elas atuam de fato no sentido cênico da palavra, contribuindo na elaboração desse teatro particular a ser visto e vivenciado primeiramente pelo artista e por elas próprias. Nesse momento cênico da obra, talvez a fotografia ainda não seja a questão essencial, mas um pretexto para o início desse diálogo e Pagy as dirige de forma que elas atuem e experimentem uma atmosfera de glamour próxima à fotografia fashion, mas, diferentemente de parte considerável das revistas do mundo, não conta com uma equipe presente ao photoshooting. Se a fotografia de moda teve seus mestres de um passado recente em nomes como Irving Penn ou Helmut Newton, Pagy percorre os fantasmas desse universo (o da fotografia de moda), que ainda insiste em correr em paralelo a certas narrativas da História da Arte que privilegiam a pintura, a escultura, a arquitetura e outros tipos de fotografia. Trata-se, é importante dizer, de roupas e modelos que sugerem certos padrões de beleza e, justamente, isso reforça a ideia de personagens de um teatro ou cinema inicialmente particular exclusivo sendo fotografado, uma espécie de performance sem público, sem o outro, a não ser o próprio olhar privilegiado do fotógrafo, que deseja a foto, a composição, a criação de seu próprio mundo. Erra quem pensa que Pagy deseja de maneira nua e crua, ou ainda pornográfica, suas modelos. Ele as deseja enquanto ideias residuais, clichês intangíveis, que se perdem em sensações ilusórias, em jogos simbólicos e narrativos. E a relação entre a arte e a ilusão interessa aos artistas. Por mais que Pagy evoque a importância das suas experiências junto a suas modelos, vivenciando a noite como um representante do “spleen” contemporâneo, ele é acima de tudo um fotógrafo, um compositor de imagens sobre o plano, um arranjador visual de acontecimentos que serão emoldurados, que se tornarão fetiche sob a forma de fotografia impressa a serem por nós desejada, os observadores. E isso não incomoda o artista. É o seu assunto, é a sua razão de ser. Olhar para uma fotografia de Pagy é adentrar um mundo pessoal, imaginado, mesmo que forjado por certos arquétipos culturais recentes e que nos amarram coletivamente à narrativa, tendo em vista o seu apelo pop, urbano e popular. Não se trata apenas de um documento do real, pois a realidade desse fotógrafo é uma realidade encenada e simulada. Quando assistimos a determinados filmes, nos sentimos tentados a viver algumas experiências ali narradas, inventadas. As fotografias de Pagy não apenas nos convidam ao deleite visual, mas à vida sob o desejo ansioso de mundo, um desejo que anseia a complexidade sensorial da experiência e a busca por aventuras. Alvaro Seixas