Chico Tabibuia
Chico Tabibuia [Francisco Moraes da Silva] 1936 - 2007, Casimiro de Abreu | RJ Nascido no município de Silva Jardim, na fazenda Maratuã, Aldeia Velha, Chico Tabibuia só foi registrado pelo juiz de Casimiro de Abreu quando tinha 36 anos de idade, juntamente com sua mãe. Na extrema miséria que se criou, esclarece o seu biografo e estudioso Paulo Pardal, não havia possibilidade para o registro de nascimento. Seu pai era um pardo, “neto de fazendeiro português Que teve 40 filhos com escravas”, relatou a Pardal. A mãe, uma cabocla. O avô era carpinteiro, seu bisavô Antônio Anema, também. Seguindo a forte tradição africana que reverencia a presença dos antepassados, Tabibuia conta a Pardal que seu bisavô, Dominguinho Ferreira Neto, “foi pegado pelos reis e foi escravo de reis, só libertado quando acabou a escravidão”. Mas quando fez a “passagem para o céu”, ensinou ao filho tudo o que é bom: “fazer casa de farinha, canoa, moinhos de fubá e café, carro e canga de bois, madeiramento para construir casas, carrocinhas dos escravos puxar mantimentos”. A mãe de Tabibuia, Francisca Neta, teve Chico com Manuel Moraes da Silva, lavrador de café e criador de galinhas. Mais tarde, com os 16 filhos de outros casamentos, Francisca trabalhou plantando mandioca e fazendo esteiras de palha, sem nunca largar a família: “não deu nós a ninguém. (...) Meu pai que conheci foi ela”. Com dez anos de idade Chico esculpiu seu primeiro “boneco”, já dotado de pênis. Aos 11 anos foi guia de cegos, aos 12 foi trabalhar no mato, retirando lenha. Fez uma casa de farinha para a mãe, a fim de poderem colher mandioca para fazer pão, além de angu de banana, inhame e sardinha assada. Após outras errâncias e tentativas de trabalho ali mesmo na região, Chico resolveu trabalhar sozinho, ‘tirando Tabibuia” por muito tempo, herdando o apelido dessa árvore, cuja madeira é usada em tamancos e lápis. Por volta do ano de 1970 voltou a esculpir, com 40 anos de idade. Além das esculturas fez móveis rústicos para as cidades da região, mas, como não conseguia receber o pagamento devido, estava a ponto de desistir quando o seu encontro com Paulo Pardal, que também tinha casa em Barra de São João, veio infundir novo ânimo no artista. Paulo se tornou seu principal colecionador e divulgador. Chico frequentou um terreiro de macumba, onde exerceu a função de ‘cambono”, dos 13 aos 17 anos de idade, levado pela mãe. Nesse culto a maior das entidades que baixavam eram exus, em dezenas de modalidades. Desses mesmos exus que ele, a partir de 1986, já na condição de membro da Assembléia de Deus, viria a representar com grande frequência, embora não exclusivamente. Legitimado pela crença pentecostal para a representação de Exu, já que agora não era mais considerado transgressor, como antes na umbanda, porque livre de interdição do segredo, do mistério que deve cercar esse sobrenatural, Tabibuia declarou que , ao retratá-lo, fazia com que ficasse aprisionado na escultura, “ para não fazer mais mal ao povo”, ficando cada vez mais “fugido das matas”, onde poderia atuar com liberdade. Tabibuia pagava dízimo das vendas cada vez mais frequentes de suas obras e considerava-se liberado para a sua escultura solene e sagrada do eros. “Vem dia que tem exu na cabeça e Deus no coração (...). Meu estudo veio do berço e que está acompanhando são os anjos do céu. Durmo e tem um velho que ensina que é Deus”. Frederico Moraes reparou na “criatividade em nível elevado de Tabibuia, que traz um elemento erótico – não pornográfico – que é forte no conjunto da arte brasileira”, bem como na monumentalidade de muitas de suas esculturas. Tabibuia construiu uma obra importante no quadro das artes visuais brasileiras, com uma marca pessoal inconfundível, que, ao remeter uma fonte afro, transcende-a, exprimindo a força do eros na dualidade masculino/feminino – talvez a mais antiga e profunda na história da humanidade. A partir de 1981, participou de mais de 20 exposições coletivas e dez por todo o Brasil, bem como de mostras antológicas no exterior. Sua obra consta dos principais museus de arte popular do país. Pequeno Dicionário do Povo Brasileiro, século XX | Lélia Coelho Frota – Aeroplano, 2005