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SOMARUMOR: ENCONTRO LATINO-AMERICANO DE ARTE SONORA

27/06/2019 - Por ArtRio

Entre os dias 26 e 30 de Junho acontece no Rio de Janeiro o ​SomaRumor, um encontro latino-americano de arte sonora​. O evento reúne artistas e pesquisadores de diferentes países em uma programação diversa com seminários, oficinas, concertos, exposição, intervenções, mostra, festa e homenagem aos artistas Vânia Dantas Leite e Guilherme Vaz.  Suas atividades ocorrem em alguns espaços da cidade, como o Museu de Arte do Rio (MAR), a Casa Porto, o Espaço Apis e também o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC).  

 

É sabido que nossa percepção sensorial elege os objetos da visão como paradigmáticos e primordiais. Propor um evento que afirma o som, essa invisível, intangível e efêmera entidade como referência é algo capaz de criar uma outra ontologia que muda nossa concepção ordinária das coisas, multiplica perspectivas. Se permitirmos uma sonorização do nosso pensamento, o som aparece como um fluxo incessante com o qual podemos contribuir, mas que nos ultrapassa. Essa força está ao mesmo tempo dentro e fora, possui uma dimensão transcendental, podendo ser atualizada, contraída, modulada. De alguma forma ela está sempre por aí, feito o fluxo dos minerais, uma produção incessante de matéria heterogênea. O som comporta certa abstração. Quando ouvimos o mar, isso envolve um registo inconsciente de cada uma de suas ondas individuais, mas conscientemente não conseguimos percebe-las separadamente. 

 

Me parece que os trabalhos em arte que refletem questões sonoras lidam mais com os aspectos virtuais do som e podem inclusive ser uma via de acesso para uma escuta mais rica e atenta às diversas vibrações existentes no mundo. Essa dimensão da escuta que conecta-se aos domínios do imperceptível e do inesperado irrompe, em parte, pelo fato de que praticas artísticas costumam envolver uma suspensão de hábitos conhecidos, uma exploração da dimensão do sensível e uma abertura dos canais de percepção. Podemos dizer que a Arte Sonora afirma o caminho do som como um fluxo impessoal, a medida em que esses trabalhos suscitam uma investigação de uma matéria fluida e contínua, que opera por variações de força, intensidade e velocidade. Essa matéria cria condições para tornar audíveis dinâmicas antes imperceptíveis, que precedem e excedem indivíduos empíricos, sem necessariamente simbolizar ou representar algo mas apresentando um conjunto de forças sonoras e suas intensidades. Podemos pensar menos em representação e significação e considerar forças heterogêneas em relações complexas de atração e repulsão, consistência e dissolução. 

 

A chamada arte sonora surge no contexto das práticas pós-minimalistas e conceituais das artes visuais, um cenário cuja reflexão passava pelos processos e pelas experiências multissensoriais. Os trabalhos desse momento refletiam sobre as intensidades relacionais dos objetos, dos sujeitos e do social, e sobretudo analisam e narravam a própria natureza do objeto de arte e seus limites dentro do sistema. Nesse período as produções também discutiam problemas referentes à autonomia e a especificidade do meio/suporte, enquanto questionavam a perspectiva puramente visual e ótica da arte, sua dimensão visível. Algumas tentativas miravam-se na desmaterialização total do objeto de arte, através do conceito, da ideia e da linguagem e ao mesmo tempo crescia uma noção expandida de matéria, capaz de sair dos limites do domínio ordinário dos objetos visuais e táteis. A matéria aparecia então como uma profusão de fluxos energéticos. 

 

No contexto supracitado ocorre, por um lado, um surgimento de discursos indicando que o acesso ao real seria fundamentalmente discursivo, mas por outro, os trabalhos que discutem a presença do som nas artes e na vida nos relembram que considerar todo o ser como mental é uma ideia que comporta um risco. Ela pode acabar por afastar completamente as percepções não discursivas, as materialidades e realidades que não se encaixam nessa chave. Não à toa, há muita pouca teorização sobre os trabalhos em arte sonora em comparação a outras vertentes da arte. O som problematiza a representação trazendo excesso semiótico, fantasias sobre transmissões eletromagnéticas… Ao mesmo tempo, o som é um acontecimento e efeito de causas corporais, suas ressonâncias sugerem estratos. Na formação de uma paisagem sonora os corpos são dissolvidos e os objetos que restam são resíduos. Poderíamos pensar em efeito sonoro em vez de objeto sonoro? O material som é portador de uma particularidade que consiste em ser algo que não termina, e sim que se dissipa, que de algum modo ronda todas as coisas em sua forma transcendental. Há uma espécie de rumor, de murmúrio anônimo e contínuo, que é resto e fundo ao mesmo tempo, que nos precede mas podemos acessa-lo de forma parcial e atualiza-lo. É nessa perspectiva sonora que esse tipo de arte trabalha.

 

Organizar um encontro que reúne uma rede de artistas e pesquisadores que se interessam por uma discussão do som nas artes é defender uma necessária posição de resistência. Marcar o Brasil e a América Latina como também propulsores dessas ideias, ou manipuladores e curadores desse fluxo que nos ultrapassa e que através dele podemos nos mover.

 

Daniela Avellar vive, cria, escreve e pesquisa no Rio de Janeiro. Graduada em Psicologia, atualmente é mestranda em Estudos Contemporâneos das Artes pela Universidade Federal Fluminense.

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